Chás, batidos (preferencialmente verdes), sumos, mistura drenantes e poções mistico-mágicas continuam por aí a prometer muito e a demonstrar pouco. O tal do “Detox…
Negócio de milionário com resultados de pobre. Até champô e pastas de dentes detox há…
Qualquer que seja o método, o conceito é o mesmo. É promovido como uma forma de “eliminar toxinas, gorduras e tudo o que não devia lá estar”. Como se fosse possível numa ou duas semanas fazer um reset, um Ctr+Alt+Del ao organismo.
É algo bastante apelativo para quem passa o tempo a fazer asneiras ou depois de um periodo de abusos extremos. E pode parecer tão purificador que nem pecador ao sair do confessionário.
Se está pronto para lidar com a verdade, conhecer mais um pouco sobre este disparate, e saber o que realmente pode fazer, então este artigo é para si.
Conteúdo do artigo
A moda do “detox” ainda vai ficar muito tempo?
Vai! E não vai passar enquanto continuar a haver pessoas muito mal informadas e malformadas, a vender e alegar propriedades que não existem. E a justificar a moda com “certos processos biológicos” de limpeza que nunca ocorrem. Ou pelo menos na forma como pensam que as coisas acontecem.
Eu sei que parece apelativo haver um atalho e poder fazer um reset ao organismo não parece? Especialmente quando se tem a consciência pesada de ter passado tantos dias, meses e anos a agredir e abusar do corpo.
A suposta necessidade de “desintoxicar”, “purificar” ou “limpar” são palavras chave usadas pelos peritos do marketing para nos levar a crer que precisamos de uma solução rápida, para um problema que nem sequer conhecemos.
Enquanto houver pessoas desesperadas e à procura do próximo atalho para uma ótima saúde, próxima dieta, super alimento, suplementos e qualquer coisa que garanta um resultado fácil e rápido (um quick fix), o termo detox vai-se manter e a vender cada vez mais.
Enquanto houver a crença de que é possível ir de A a C numa linha reta, sem passar por B, esse atalho enganoso será sempre tentado.
Toxinas, poluentes, metais pesados... Falamos do quê?
Quando alguém lhe tentar vender um detox, peça-lhe para explicar em detalhe o que é que se vai limpar em específico e como isso se processa exactamente no corpo.
Se você já tem alguns conhecimentos de biologia, bioquímica, nutrição, etc, pegue numas pipocas (de espinafres para fazer detox), recoste-se na cadeira e assista a um chorrilho de asneiras sem nexo e com argumentos que se contrariam um aos outros…
Uma toxina é um veneno que foi produzido por uma planta, animal, bactéria, fungo, etc. que, em determinada configuração e quantidade, pode ser perigosa e fatal.
Neste caso não recomendo um detox nem a título de brincadeira mas sim uma ida para as urgências.
Mas vejo que no imaginário de muitas pessoas, as toxinas podem ser tudo e mais alguma coisa: metais pesados, pesticidas, flúor, microplásticos, medicamentos, dioxinas, PCB´s, BPA´s, e uma lista interminável, toda inserida num mesmo saco.
Isto são os xenobióticos. São compostos químicos estranhos a um organismo ou sistema biológico. Podem ser encontrados num organismo, mas não é normalmente produzido ou esperado existir nesse organismo.
E cada um deles é tratado pelo organismos de forma diferente. Tanto na absorção, transformação, acumulação, eliminação, possíveis efeitos, etc.
Explicado isto, e quando se ouve alguém dizer “vou fazer um detox”, a primeira pergunta deverá fazer é “ah sim, então a quê” ? E será que ao querer eliminar alguma coisa que está armazenada não se poderá também eliminar algo que possa fazer falta ? Por exemplo minerais com o sódio, potássio, cálcio, magnésio, perdidos entre numerosas idas ao WC para deitar fora o que se bebeu.
E será que um “sumo detox” com espinafre, beterraba, tomate, rico em ácido oxálico não vai comprometer os níveis de outros micronutrientes essenciais como o ferro e o cálcio? Ou mesmo agravar um problema renal favorecendo o aparecimento de pedras ? Será que um dose de clorela e spirulina não vai ter um efeito quelante sobre outros minerais?
Em 2019 houve um caso mediático de uma pessoa que ficou com danos cerebrais irreversíveis após um detox à base de sumos, supostamente saudáveis. Já este anos mais um relato, desta vez com uma morte, devido a uma senhora que entrou em falência renal, confirmado depois devido à dieta “detox” de sumos verdes que estava a seguir há duas semanas.
Se não lhe conseguirem dar um resposta válida e sustentada além de uma mera opinião, fuja.
O tal detox
O corpo tem mecanismos para eliminar estes compostos, neutralizando-os e eliminando-os. O principal órgão envolvido é o fígado.
Por vezes estas substâncias podem realmente ser gradualmente armazenadas até um nível realmente tóxico.
Se o processo que se chama de destoxificação (não detox) não ocorrer como deveria, a mobilização dos compostos armazenados para a circulação sanguínea pode ter efeitos desastrosos para a saúde.
Vários órgãos fazem parte deste processo. Fígado, rins, pulmões, sistema linfático, intestinos, até a pele estão envolvidos.
A ideia de que por exemplo os rins excretam as tais toxinas é um pouco absurda. A urina permite eliminar compostos hidrossolúveis, isto é, solúveis em água como a ureia ou o ácido úrico.
A grande maioria dos metais pesados e xenobióticos são lipofílicos, sendo bioacumulados nos tecidos, particularmente, nos adipócitos (células de gordura).
Para os libertar, o corpo tem primeiro que proceder à sua transformação e decomposição (principalmente pelo fígado) em formas mais simples hidrossolúveis, que possam ser excretadas finalmente pelos rins (urina), intestinos (fezes), pulmões (respiração) e pele (suor).
E para que isto aconteça é necessária a presença e interação de um grande número de nutrientes essenciais, desde aminoácidos, minerais e vitaminas, compostos antioxidantes e outros. Muitas vezes são necessários nutrientes que vêm de alimentos que são eliminados ou evitados durante os supostos “detox”.
Se eu descrevesse aqui todo o processo perderia uma parte dos leitores devido à complexidade do tema e outra parte, os que não querem realmente aceitar que a perceção que têm do detox é afinal uma crença muito ingénua, que pode acarretar riscos para a saúde.
De qualquer forma deixo aqui uma imagem ilustrativa do complexo processo, que se tenta tanto simplificar, por vezes de forma irresponsável.
É que o processo, mesmo bem feito, não está isento de riscos.
O Detox e perda de peso
Apesar dos métodos de detox defenderem em primeiro lugar uma otimização da saúde e limpeza do organismo, a verdade é que chama principalmente à atenção das pessoas que querem perder peso, levando-as a descurar o que realmente pode promover resultados no médio e longo prazo.
E quem vende e fez a dieta detox testemunha que funciona. Claro que pode funcionar. Como qualquer dieta à qual se mantenha a adesão durante tempo suficiente. Mas a que custo? E durante quanto tempo?
Funcionam para perder peso porque estão sempre associados a restrições alimentares e a um enorme deficit calórico.
Se em vez do croissant misto e um sumo de laranja, fizer um “sumo verde detox” à base de legumes, frutas, gengibre e ditos superalimentos, facilmente consegue um deficit calórico de 300 a 400Kcal.
É claro que ao fim de uns dias vai perder peso, apesar do mais provável ser apenas de líquidos e até massa muscular.
Ora, para perder cerca de 0,5kg de gordura corporal é necessário criar em média um deficit calórico entre 3.000 a 3.500 calorias.
Ou seja, se durante uma semana substituir uma refeição por um “típico sumo detox”, ao fim das duas semanas consegue perder peso sim. Primeiro água (muita) e depois músculo e gordura.
A restrição de alimentos, principalmente hidratos de carbono, leva à perda de glicogénio hepático e muscular.
Como para cada 3g de glicogénio armazenado temos 3g de água armazenada, se perdermos 500g de glicogénio, o peso total perdido será próximo de 2kg. E isto pode acontecer sem mobilizar 1 grama que seja de gordura.
Mais ainda, como o volume de alimentos ingeridos é menor e maioritariamente de consistência líquida, o volume de fezes acumuladas no intestino será menor.
Isto contribui para a perda de peso e eventual melhoria de inchaço abdominal, flatulência, etc.
Está assim de forma ingénua comprovada a eficácia do detox para perda de peso.
O melhor detox de todos! O "Não Intox"...
Não me parece sustentável e mentalmente saudável achar que todas as asneiras têm uma solução ao alcance de um comprimido, chá ou sumo detox.
Se o objetivo é limpar e desintoxicar, que tal evitar logo à partida aquilo que vai sujar e intoxicar?
O melhor “detox” de todos foi o “intox” que não ocorreu. Mas casa roubada, trancas à porta certo? Pelo menos até ás próximas épocas festivas.
Há espaço para tudo, quando aprendemos que não temos que viver nos extremos.
Quando se inicia um detox ou uma dieta, é porque se tem um objectivo. E geralmente as alterações aos estilo de vida costumam ser várias.
Deixar ao mesmo tempo alguns alimentos menos bons e estar mais activo, é comum nos processo de mudança.
É essencialmente ao reduzir alimentos de elevada densidade calórica, álcool, fast food, refrigerantes, doces, gorduras e salgados que pode surgir o efeito milagroso do detox.
Usando mais um ditado e como uma analogia ao nosso corpo: “Se queres criar um jardim, livra-te primeiro das ervas daninhas”
Em suma, é muito mais eficaz deixar de comer porcarias e começar a fazer boas escolhas, do que procurar uma solução rápida para todos o erros que não deixamos de cometer.
Conclusão
De facto a destoxificação ocorre no nosso organismo e é um processo extremamente eficaz se o permitirmos. Mas está longe de ser um “detox” como é veiculado e vendido por aí.
Ou seja, se fizermos boas escolhas em termos de estilos de vida e fornecermos ao corpo tudo o que é necessário, este cuida de nós melhor do que costumamos cuidar dele.
Não vá em cantigas com as promessas dos “detox”. Poupe tempo, saúde, dinheiro e não se iluda com a promessa de falsos atalhos. Eles não existem.
Existem sim alimentos e rotinas que podem suportar uma destoxificação eficaz no nosso organismo, mas lembre-se….o melhor detox é o “não intox”.
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