Entendendo o Colesterol

No panorama atual da saúde global, as doenças cardiovasculares são a principal causa de morte nos países industrializados, uma realidade que sublinha a necessidade urgente de estratégias de prevenção e tratamento mais eficazes e personalizadas. Central a este desafio está o entendimento do colesterol – não apenas como um indicador isolado, mas através da sua complexa rede de frações e o papel que desempenham no risco cardiovascular.

O colesterol, geralmente entendido como um “vilão” para a saúde, é na verdade uma substância vital, desempenhando funções essenciais no organismo, desde a construção de membranas celulares até a produção de hormonas.

Neste artigo vou abordar as principais frações do colesterol e subdivisões – LDL, HDL, VLDL, triglicerídeos, Apo-A e Apo-B, destacando a importância de uma análise abrangente para interpretar corretamente o risco cardiovascular.

A avaliação do colesterol total, revela-se insuficiente para uma compreensão completa do estado lipídico de um indivíduo e, consequentemente, para a escolha da melhor opção de tratamento e controle das dislipidemias. 

Ao reconhecer a complexidade do colesterol, este artigo fará um resumo dos marcadores mais utilizados na avaliação e gestão das dislipidemias. Torna-se imperativo ir além do colesterol total, adotando uma perspectiva mais holística que possa verdadeiramente fazer a diferença na vida das pessoas.

O que é o Colesterol

O colesterol é vital para a estrutura e função celular, atuando como componente essencial das membranas celulares, o que permite a fluidez e a integridade das células, além de participar na formação de mielina, uma substância que envolve os nervos para facilitar a transmissão de impulsos elétricos.

Ele também é precursor na síntese de hormonas, além de ser fundamental na produção de vitamina D e ácidos biliares, que são importantes para a digestão e absorção de nutrientes e compostos bioactivos.

Principais Funções do Colesterol no Organismo:

  1. Componente das Membranas Celulares: Ajuda a manter a integridade e a fluidez das membranas celulares, permitindo a entrada e saída adequadas de substâncias.

  2. Precursor de Hormonas: Essencial na biossíntese de hormonas esteroides, incluindo hormonas sexuais como o estrogénio e a testosterona, e hormonas adrenais, como o cortisol, que são vitais para o metabolismo, a resposta ao stress e as funções reprodutivas.

  3. Produção de Vitamina D: O colesterol na pele é convertido em vitamina D pela ação da luz solar; a vitamina D é crucial para a saúde óssea, a função imune e a regulação do cálcio no corpo.

  4. Formação de Ácidos Biliares: Participa na produção de ácidos biliares no fígado, essenciais para a digestão e absorção de gorduras e vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K) no intestino.

  5. Isolamento e Proteção Nervosa: Contribui para a formação da bainha de mielina, que envolve os nervos, melhorando a velocidade e a eficiência da transmissão de impulsos nervosos.

  6. Participação em Processos Inflamatórios e Reparação Celular: O colesterol pode atuar em processos de reparação celular e está envolvido na resposta inflamatória.

Por que é que devemos avaliar o colesterol

A avaliação de todos os marcadores do colesterol e o entendimento do seu impacto na saúde são essenciais por várias razões fundamentais, que se entrelaçam para formar uma imagem abrangente da saúde cardiovascular de um indivíduo. Este enfoque multifacetado não só fornece um panorama detalhado do estado atual da saúde cardiovascular, mas também orienta estratégias de intervenção mais eficazes. Aqui estão os principais motivos para avaliar todos os marcadores do colesterol:

1. Complexidade do Risco Cardiovascular: O risco cardiovascular é influenciado por uma variedade de fatores, não se limitando apenas ao colesterol total. LDL (colesterol “mau”), HDL (colesterol “bom”), VLDL e triglicerídeos desempenham papéis distintos no desenvolvimento de doenças cardiovasculares (DCVs). Por exemplo, altos níveis de LDL podem contribuir para a formação de placas nas artérias, enquanto altos níveis de HDL são protetores. Avaliar todos os marcadores permite uma compreensão mais precisa do risco.

2. Identificação de Distúrbios Lipídicos Específicos: Diferentes distúrbios lipídicos requerem abordagens de tratamento específicas. Por exemplo, a hipertrigliceridemia (altos níveis de triglicerídeos) pode exigir mudanças na dieta e no estilo de vida ou tratamento farmacológico distinto daquele utilizado para gerir o LDL elevado. Uma avaliação completa permite a identificação e o tratamento adequados de condições específicas.

3. Prevenção Primária e Secundária de DCVs: A avaliação abrangente dos marcadores de colesterol é crucial tanto para a prevenção primária (prevenir o desenvolvimento de DCVs em pessoas saudáveis) quanto para a secundária (prevenir eventos subsequentes em indivíduos com histórico de DCVs). Isso possibilita intervenções personalizadas baseadas no perfil de risco individual.

4. Guiar Decisões Terapêuticas: Conhecer o espectro completo dos níveis lipídicos de um indivíduo ajuda a orientar as decisões terapêuticas, incluindo a alimentação, estilos de vida, atividade física e claro, a escolha de medicamentos específicos, como estatinas, fibratos, ou inibidores de PCSK9.

5. Monitoramento de Progresso e Ajustes de Tratamento: A avaliação regular dos marcadores de colesterol é fundamental para monitorar a eficácia do tratamento e fazer ajustes conforme necessário. Isso é particularmente importante para pacientes em tratamento para DCVs, onde o equilíbrio entre os diferentes tipos de colesterol pode mudar ao longo do tempo.

6. Conscientização e Educação do Paciente: Compreender os vários aspectos do colesterol e seu impacto na saúde cardiovascular pode incentivar os indivíduos a adotarem mudanças no estilo de vida mais saudáveis e a aderirem melhor ao tratamento prescrito

Quais as frações do Colesterol a conhecer e avaliar

O Colesterol Total – O colesterol total é uma medida que engloba a soma de todos os tipos de colesterol presentes no sangue, os quais veremos de seguida. Embora o colesterol total forneça uma visão geral útil, ele não dá uma imagem completa da saúde cardiovascular de um indivíduo.

Por exemplo, uma pessoa pode ter um colesterol total elevado devido a altos níveis de HDL, o que poderia ser menos preocupante do que se o mesmo nível total fosse devido a altos níveis de LDL. Da mesma forma, níveis baixos de colesterol total nem sempre indicam baixo risco cardiovascular, especialmente se a maior parte desse total for composta por LDL em vez de HDL.

O LDL ou Lipoproteína de Baixa Densidade (Low Density Lipoprotein) – é commumente referido como o “colesterol mau” devido ao seu papel no desenvolvimento de doenças cardiovasculares (DCVs). A sua função principal é transportar colesterol e outras gorduras do fígado para as células do corpo, onde são utilizadas para diversos processos biológicos, como a construção de membranas celulares e a produção de hormonas vitais.

O excesso de LDL no sangue pode depositar-se nas paredes das artérias, formando placas que restringem o fluxo sanguíneo e, com o tempo, podem endurecer ou até romper-se, levando a eventos graves como ataques cardíacos e acidentes vasculares cerebrais (AVCs). Portanto, níveis elevados de LDL são considerados um fator de risco significativo para o desenvolvimento de DCVs.

O LDL oxidado – é uma forma modificada do LDL que ocorre quando as partículas de LDL reagem com radicais livres, um processo conhecido como oxidação. Esta forma de LDL tem uma capacidade ainda maior de provocar a formação de placas nas paredes arteriais. Além disso, o LDL oxidado pode causar danos diretos ao endotélio, a camada interna das artérias, promovendo inflamação e contribuindo para o avanço da arteriosclerose.

O VLDL (Very Low Density Lipoprotein) – é um tipo de lipoproteína presente no sangue e é especialmente importante no transporte dos triglicerídeos produzidos no fígado para os tecidos adiposos e musculares. Níveis elevados de VLDL podem contribuir para o desenvolvimento de arteriosclerose e risco de ataques cardíacos e acidentes vasculares cerebrais

O HDL ou Lipoproteína de Alta Densidade  (High-Density Lipoprotein) – é frequentemente referido como o “colesterol bom”. Este apelido deriva da função principal de recolher o colesterol extra das paredes das artérias e transportá-lo de volta ao fígado, onde pode ser reutilizado ou excretado do corpo através. Este processo reduz a formação de placas ateroscleróticas, diminuindo assim o risco de doenças cardiovasculares.

Ainda tem propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes e efeito na coagulação sanguínea, reduzindo o risco de formação de coágulos perigosos.

Níveis mais altos de HDL estão associados a um menor risco de desenvolver doenças cardíacas.

Os Triglicerídeos – são o tipo mais comum de gordura encontrada no corpo e na dieta. Eles são uma fonte crucial de energia, armazenando calorias não utilizadas e fornecendo energia para o corpo entre as refeições. Quimicamente, os triglicerídeos são compostos por três moléculas de ácidos gordos ligadas a uma molécula de glicerol, daí o nome “tri-glicerídeos”. Tem 3 funções principais:

  1. Armazenamento de Energia: A principal função dos triglicerídeos é armazenar energia  das calorias “extras” consumidas. São convertidas em triglicerídeos e armazenadas nas células adiposas, para ser utilizada pelo corpo durante períodos de jejum ou exercício prolongado.

  2. Isolamento Térmico e Proteção: Ajudam a isolar o corpo e proteger os órgãos internos. A camada de gordura sob a pele ajuda a manter a temperatura corporal, enquanto a gordura ao redor dos órgãos (como o coração e os rins) funciona como um amortecedor, protegendo-os de choques e lesões.

  3. Absorção de Vitaminas: Desempenham um papel na absorção de vitaminas lipossolúveis, como as vitaminas A, D, E e K, que necessitam de gordura para serem absorvidas pelo intestino e transportadas através da corrente sanguínea para onde são necessárias no corpo.

Embora os triglicerídeos sejam essenciais para a saúde, níveis elevados estão associados à obesidade, resistência à insulina, diabetes tipo 2, fígado gordo e síndrome metabólica, um conjunto de condições que também inclui pressão arterial alta e níveis anormais de colesterol.

A Lipoproteína (a) ou Lp(a) – é uma partícula de lipoproteína plasmática que carrega colesterol e uma proteína específica chamada apolipoproteína(a). É importante avaliar pois pode ajudar a identificar indivíduos com risco elevado de desenvolver condições como doença arterial coronariana, mesmo na ausência de outros fatores de risco tradicionais.

A Apolipoproteína A ou Apo-A – é mais conhecida pela sua associação com o HDL. Desempenha um papel crítico no processo de transporte reverso de colesterol, no qual o colesterol é removido das células e tecidos periféricos, incluindo as placas nas paredes arteriais, e transportado de volta ao fígado para excreção ou reutilização. Níveis altos estão associados a um menor risco de doenças cardiovasculares.

A Apolipoproteína B ou Apo-B – é uma proteína que desempenha um papel crucial no metabolismo dos lípidos, sendo o principal componente do LDL e VLDL, bem como das lipoproteínas intermediárias e das lipoproteínas (a) que vimos antes. A Apo-B é um marcador crítico do risco cardiovascular que reflete o número total de partículas aterogénicas circulantes. 

Onde é produzido o Colesterol

O colesterol é produzido principalmente no fígado, que é responsável por cerca de 70-80% do colesterol total presente no corpo humano. O restante do colesterol provém da dieta, através do consumo de alimentos de origem animal, como algumas carnes, laticínios e ovos.

O fígado tem a capacidade de ajustar a quantidade de colesterol que produz com base na quantidade de colesterol dietético consumido, mantendo assim um equilíbrio no nível de colesterol no corpo.

O impacto do colesterol alimentar no colesterol sanguíneo varia entre indivíduos devido a diferenças na absorção intestinal de colesterol, na regulação hepática da produção de colesterol e na sensibilidade individual. 

Os alimentos que contém colesterol, podem elevar ligeiramente os valores totais, mas podem inclusive melhorar o perfil lipídico, pois aumentam também o HDL (bom colesterol).

Conclusão

Em resumo, avaliar todos os marcadores do colesterol oferece uma visão detalhada e precisa do risco cardiovascular, permitindo intervenções mais direcionadas e eficazes para prevenir e tratar doenças cardiovasculares, melhorando assim a saúde e a qualidade de vida.

Devemos evitar a fixação de olhar apenas para os valores de colesterol total, LDL e HDL, e analisar o perfil lipídico num todo, levando em conta a individualidade específica de cada indivíduo, os seus estilos de vida, alimentação, atividade física e fatores de risco.

Referências

Referências indicadas no texto através de hiperligações para pagínas web externas

Deixe um comentário