O que afeta mais a longevidade? Os genes ou as escolhas?

1. Introdução

Vivemos mais do que nunca. Nos últimos 200 anos, a esperança de vida praticamente duplicou, um feito impressionante, considerando que o nosso código genético permaneceu essencialmente inalterado nesse período. Como explicar, então, esta extraordinária mudança?

Um estudo recente publicado na Nature Medicine, utilizando dados de quase 500.000 pessoas do UK Biobank, reforçou o que a ciência tem demonstrado há anos: os fatores ambientais e comportamentais têm um impacto muito superior ao da genética no envelhecimento e na longevidade

Os investigadores concluíram que o exposoma, o conjunto de exposições ambientais ao longo da vida, é responsável por 17 vezes mais variação na mortalidade do que os fatores genéticos.

Ou seja, apesar de herdarmos certas predisposições genéticas, são as nossas escolhas diárias que mais influenciam a forma como envelhecemos e quanto tempo vivemos.

Neste artigo, vou explorar os principais mecanismos do envelhecimento, as características dos centenários, a influência da epigenética e da genética e, mais importante, o que podemos fazer para aumentar a longevidade com qualidade de vida.

2. Como e por que envelhecemos?

O envelhecimento acontece devido à acumulação de danos nas células e ao enfraquecimento das funções do corpo ao longo do tempo. Este processo é influenciado por vários fatores, entre os quais se destacam:

  1. Danos no DNA – Ao longo da vida, o nosso DNA sofre mutações e agressões que afetam a integridade das células.
  2. Encurtamento dos telómeros – Os telómeros, que protegem os cromossomas, vão encurtando a cada divisão celular, limitando a longevidade das células.
  3. Alterações epigenéticas – O ambiente e o estilo de vida podem ativar ou desativar genes sem modificar o DNA, influenciando o envelhecimento.
  4. Acumulação de proteínas defeituosas – O organismo perde eficiência na eliminação de proteínas danificadas, o que pode comprometer a função celular.
  5. Desregulação do metabolismo – Ocorrem alterações na forma como as células processam os nutrientes, aumentando o risco de resistência à insulina e obesidade.
  6. Declínio da produção de energia – As mitocôndrias, responsáveis por fornecer energia às células, tornam-se menos eficientes, promovendo fadiga e envelhecimento precoce.
  7. Senescência celular – Algumas células deixam de se dividir e passam a libertar substâncias inflamatórias, acelerando o envelhecimento.
  8. Redução da capacidade regenerativa – As células estaminais, essenciais para a renovação dos tecidos, perdem eficácia ao longo do tempo.
  9. Desregulação da comunicação celular – A forma como as células comunicam entre si torna-se menos eficiente, favorecendo processos inflamatórios e doenças crónicas.

Estes fatores estão interligados e contribuem para o desenvolvimento de doenças como Alzheimer, cancro, diabetes tipo 2 e problemas cardiovasculares. No entanto, adotar um estilo de vida saudável pode ajudar a retardar este processo e preservar a qualidade de vida.

3. Genética vs Epigenética: Quem determina a longevidade?

Durante muito tempo, acreditou-se que a longevidade era maioritariamente determinada pelos genes herdados dos nossos pais. No entanto, avanços na biologia molecular mostram que a genética representa apenas uma pequena fração daquilo que define quanto tempo e com que qualidade vivemos.

A genética estabelece a predisposição para certas doenças e condições, mas não é um destino inevitável. Existem pessoas com mutações genéticas associadas a doenças graves que nunca as desenvolvem, enquanto outras, sem qualquer predisposição hereditária, acabam por sofrer dessas mesmas patologias.

Aqui entra a epigenética, um campo da ciência que estuda como fatores ambientais e comportamentais podem ativar ou desativar genes sem alterar a sequência do DNA. Pequenas modificações químicas no material genético podem influenciar diretamente o envelhecimento e o risco de doenças crónicas.

O peso das escolhas no nosso DNA

Estudos indicam que apenas 10-20% da longevidade é herdada geneticamente, enquanto o resto é determinado pelo ambiente e estilo de vida. Ou seja, o que comemos, como nos movemos, o nível de stress a que estamos sujeitos e até a qualidade do nosso sono desempenham um papel muito mais importante do que os nossos genes.

Como podemos influenciar a nossa biologia?

Existem várias estratégias que podem modular a expressão dos nossos genes, promovendo um envelhecimento mais saudável:

  • Alimentação equilibrada – O consumo de certos alimentos que contêm compostos bioativos, pode modular genes envolvidos na inflamação e no stress oxidativo. Uma dieta rica em fibras e pobre em ultraprocessados reduz a expressão de genes associados a doenças metabólicas.
  • Exercício físico regular – O treino de força ativa genes que promovem a regeneração muscular, enquanto o exercício aeróbico influencia genes ligados à saúde cardiovascular e à neuroproteção. Movimentar-se ao longo do dia reduz a expressão de genes associados à resistência à insulina e à obesidade.
  • Sono de qualidade – Durante o sono, ocorre a reparação celular e a regulação epigenética. A privação de sono altera a expressão de genes envolvidos na inflamação, metabolismo e imunidade. Estabelecer rotinas regulares e evitar luz azul à noite melhora a expressão genética.
  • Gestão do stress – O stress crónico ativa genes ligados a inflamação e ao envelhecimento precoce. Técnicas como mindfulness, meditação e respiração profunda ajudam a regular a resposta epigenética ao stress e reduzem os efeitos negativos sobre os telómeros.
  • Exposição ao sol e contacto com a natureza – A luz solar estimula a produção de vitamina D, que modula genes relacionados com a função imunitária e a saúde óssea. Passar tempo em ambientes naturais reduz a expressão de genes ligados ao stress e melhora a saúde mental.
  • Relações sociais e bem-estar emocional – Laços afetivos fortes influenciam positivamente a expressão genética e reduzem inflamação crónica. Sentimentos de solidão e isolamento social estão associados a padrões epigenéticos que favorecem o envelhecimento acelerado.
  • Terapias de calor e frio – Exposição controlada ao calor (saunas) e ao frio (banhos frios, crioterapia) ativa genes ligados à longevidade e à resistência ao stress oxidativo, promovendo reparação celular e equilíbrio metabólico.
  • Suplementação inteligente – Embora a alimentação deva ser a principal fonte de nutrientes, alguns suplementos, como resveratrol, quercetina, curcumina e nicotinamida (NMN), demonstram potencial para modular vias epigenéticas envolvidas no envelhecimento.

4. Algumas Lições das Blue Zones

As Blue Zones são regiões do mundo onde as pessoas vivem significativamente mais tempo e com melhor qualidade de vida. Estas zonas foram identificadas pelo investigador Dan Buettner e a sua equipa ao analisarem populações com uma elevada percentagem de centenários saudáveis.

  1. As 5 Blue Zones identificadas são:
  2. Okinawa (Japão)
  3. Sardenha (Itália)
  4. Nicoya (Costa Rica)
  5. Icária (Grécia)
  6. Loma Linda (Califórnia, EUA)

O que faz estas populações viverem tanto tempo? Eis as 8 características principais que parecem estar por trás da longevidade extrema:

1. Movimento Natural – As pessoas nestas zonas não fazem exercício no ginásio, mas movem-se constantemente ao longo do dia – caminham, cultivam os próprios alimentos, fazem tarefas domésticas e atividades ao ar livre.

2. Propósito de Vida – Ter um motivo para acordar de manhã pode adicionar até 7 anos à esperança de vida. No Japão chamam-lhe “Ikigai”, na Nicoya, “Plan de Vida”.

3. Redução do Stress – Todos experienciam stress, mas os habitantes das Blue Zones têm rotinas para o aliviar: os okinawanos meditam, os adventistas rezam, os gregos fazem sestas e os sardos convivem ao final do dia.

4. Regra dos 80% – Os okinawanos seguem o princípio “Hara Hachi Bu” – param de comer quando estão cerca de 80% cheios, evitando excessos e ajudando na digestão.

5. Alimentação Variada e Natural – Possuem uma alimentação baseada em alimentos naturais, com grande amplitude nutricional e utilizando técnicas de confecção que preservam os nutrientes dos alimentos.

6. Comunidade e Espiritualidade – Participar numa comunidade espiritual ou ter uma forte rede de apoio social pode aumentar a longevidade. Em todas as Blue Zones, as pessoas reúnem-se regularmente para cultos religiosos ou encontros comunitários.

7. Família em Primeiro Lugar – Nestes locais, os mais velhos são valorizados e muitas vezes vivem com a família ou muito perto dela. Isto proporciona apoio emocional e prático, fortalecendo laços intergeracionais.

8. Círculo Social Saudável – Os centenários das Blue Zones cercam-se de amigos e familiares que promovem hábitos saudáveis. Em Okinawa, por exemplo, existem grupos chamados “Moai”, onde amigos se apoiam mutuamente ao longo da vida.

Controvérsia sobre as Blue Zones: Nos últimos anos, alguns especialistas questionaram a metodologia e a precisão dos dados sobre as Blue Zones, alegando que alguns números da longevidade foram exagerados ou mal interpretados.

No entanto, mesmo que as estimativas exatas possam ser debatidas, os princípios gerais que emergem destas regiões continuam a ser altamente relevantes e alinhados com a ciência do envelhecimento saudável.

4. Conclusão

Embora a genética estabeleça a base da nossa saúde, é o estilo de vida que desempenha o papel mais determinante na nossa longevidade e qualidade de vida.

Estudos recentes reforçam que fatores ambientais e comportamentais têm um impacto significativamente maior no envelhecimento e na saúde do que os genes. Portanto, ao adotarmos hábitos saudáveis, como uma alimentação equilibrada, prática regular de atividade física, sono adequado e gestão eficaz do stress, podemos influenciar positivamente a expressão dos nossos genes e promover um envelhecimento mais saudável.

As evidências científicas são claras: as nossas escolhas diárias têm o poder de moldar o nosso futuro, permitindo-nos viver mais e melhor.

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