Valores de Referências nas Análises

1. Introdução

As análises clínicas são ferramentas fundamentais na avaliação do estado de saúde de um indivíduo. No entanto, a interpretação dos resultados depende, em grande parte, dos valores de referência estabelecidos pelos laboratórios. Muitas pessoas assumem que estar dentro dos valores de referência significa estar saudável, e que estar fora implica necessariamente uma patologia. Mas será que essa abordagem é suficiente quando o objetivo não é apenas evitar doenças, mas otimizar a saúde e a longevidade?

Este artigo vou explorar as limitações dos valores de referência, os desafios que colocam e a importância de olhar para valores ótimos, e não apenas normativos, para uma abordagem verdadeiramente personalizada e preventiva da saúde.

Vou dar apenas dois exemplos abaixo (ferro e testosterona) entre muitos outros cenários possíveis.

2. O que são os valores de referência nas análises clínicas?

Os valores de referência são intervalos numéricos estabelecidos para cada parâmetro analisado num exame laboratorial. São definidos com base em dados estatísticos de uma amostra populacional e representam a faixa na qual 90 a 95% das pessoas consideradas “saudáveis” se encontram. No entanto, estatisticamente, entre 5 a 10% das pessoas saudáveis podem apresentar valores fora desse intervalo sem que isso signifique necessariamente uma patologia.

Como São Definidos os Valores de Referência: Para determinar estes intervalos, os laboratórios utilizam estudos populacionais que, geralmente, excluem indivíduos com doenças diagnosticadas. No entanto, esses estudos não avaliam a real otimização metabólica e fisiológica dos indivíduos incluídos. Isso significa que os valores de referência não representam necessariamente o estado de saúde ideal, mas sim uma média estatística dentro da qual a maioria da população se insere.

O Problema da Média Estatística vs. Saúde Ideal: Aqui reside um dos grandes desafios: o que é considerado “saudável” pela estatística pode não corresponder ao ideal de saúde funcional. Muitas vezes, os estudos usados para definir estes intervalos não distinguem entre uma pessoa com vitalidade máxima e outra que apenas não apresenta uma doença clínica evidente.

A saúde ideal não é apenas a ausência de doença. É um espectro que inclui força física, estabilidade emocional, capacidade de recuperação e bem-estar contínuo. Os valores de referência, por serem baseados numa média populacional, não refletem esta complexidade, podendo levar a uma interpretação limitada do verdadeiro estado de saúde de uma pessoa.

Além disso, esta abordagem desconsidera a iniciativa individual de quem procura otimizar a saúde, elevando o metabolismo e a condição física para um patamar superior ao considerado aceitável ou “normal” para a sua faixa etária.

3. Porque é que os valores de referência variam de laboratório para laboratório?

Os valores de referência não são universais, podendo diferir entre laboratórios devido a diversos fatores:

  • Método analítico: Diferentes equipamentos e reagentes podem produzir variações nos resultados.
  • População de referência: Algumas faixas de referência são definidas com base em estudos populacionais distintos.
  • Unidades de medida: Alguns laboratórios utilizam unidades internacionais (SI), enquanto outros utilizam unidades convencionais.
  • Critérios estatísticos: Algumas instituições definem a referência em percentis diferentes do intervalo padrão de 95%, ajustando-a com base na sua população analisada.

Este fenómeno gera confusão, pois um resultado “normal” num laboratório pode ser considerado “anormal” noutro, tornando evidente que esses intervalos não representam um valor absoluto de saúde ou de doença.

4. Vantagens

Os valores de referência são úteis no diagnóstico convencional, mas apresentam grandes limitações para quem deseja otimizar a saúde e prolongar a longevidade.

Vantagens dos valores de referência

  • Padrão para diagnóstico – Permitem a identificação de doenças em estágios avançados.
  • Facilitam a prática médica tradicional – São um critério objetivo para clínicos, ajudando na triagem de patologias.
  • Comparam um indivíduo com a população geral – Permitem situar os resultados dentro de uma norma estatística.

Embora úteis para detetar problemas graves, estas vantagens tornam-se insuficientes para quem deseja um estado de saúde ideal.

5. Limitações dos valores de referência

Os valores de referência são um ponto de partida, mas não são um guia adequado para otimização da saúde e performance. Aqui estão as principais limitações:

1 – Não consideram a individualidade biológica – Cada organismo é único, com variações genéticas, epigenéticas, ambientais e metabólicas que não são refletidas nos valores de referência. Exemplo: Um atleta pode ter valores de creatinina mais elevados devido à sua massa muscular, sem que isso signifique um problema renal. É necessário avaliar os valores no contexto do estilo de vida e antecedentes individuais.

2. Baseiam-se numa população que não é verdadeiramente saudável – Os valores de referência são extraídos de uma amostra populacional que não representa indivíduos em estado ótimo de saúde. A maioria das pessoas na população estudada:

    1. Tem hábitos alimentares subótimos
    2. Tem níveis de stress elevados
    3. Possui défices nutricionais não diagnosticados
    4. Está exposta a toxinas ambientais e poluentes

Exemplo: O valor de referência do colesterol HDL pode estar a descer ao longo das décadas devido a uma população cada vez mais sedentária e com má alimentação. Deveriam ser usadas referências de valores ótimos, baseados em estudos sobre longevidade e desempenho metabólico.

3. Não identificam desequilíbrios antes de serem considerados “doenças” – Muitos problemas de saúde começam anos antes do diagnóstico e não são identificados porque os exames permanecem dentro dos valores de referência.

Exemplo: A glicose em jejum considerada “normal” pode ir até 109 mg/dL, mas níveis acima de 90 mg/dL já podem indicar tendência para resistência à insulina e risco aumentado de diabetes tipo 2.

Um TSH abaixo de 4.0 mU/L pode ser considerado normal, mas acima de 3 mU/L já pode indicar um metabolismo desacelerado e tendência para hipotiroidismo subclínico. É necessário avaliar tendências precoces e agir preventivamente.

4. Ignoram a importância da otimização hormonal – Os valores de referência hormonais refletem médias populacionais, mas não o funcionamento ótimo do organismo. Exemplo: A testosterona nos homens pode ter referência entre 300-1000 ng/dL, mas valores abaixo de 500 ng/dL já estão associados a fadiga, perda de músculo e menor longevidade. O estrogénio em mulheres pode estar dentro da referência, mas um desequilíbrio entre estrogénio e progesterona pode provocar sintomas como ansiedade, retenção de líquidos e insónia. é necessário ajustar os valores hormonais para um patamar que garanta vitalidade, e não apenas ausência de doença.

5. Criam uma falsa sensação de segurança Muitas pessoas fazem exames, recebem um resultado “normal” e assumem que estão bem. Não têm diagnóstico de doença grave, mas:

  • Sentem-se constantemente cansadas
  • Sofrem de dores articulares inexplicáveis
  • Têm dificuldades em perder peso
  • Têm problemas digestivos recorrentes

Tudo isto pode ser consequência de défices nutricionais, inflamação crónica ou resistência à insulina, mesmo quando os exames não indicam “doença”. É necessário avaliar padrões subclínicos e atuar antes que os problemas se agravem.

7. Alguns exemplos gerais

Vitamina B12 – Se um indivíduo tem B12 a 300 pg/mL (referência: 200-900 pg/mL), pode apresentar fadiga e dificuldades cognitivas, sendo que valores abaixo de 400 pg/mL já comprometem a função neurológica. O ideal seria manter acima de 500 pg/mL, especialmente em vegetarianos, idosos ou pessoas com problemas de absorção.

Ácido Fólico – Um ácido fólico de 4 ng/mL (referência: 2-20 ng/mL) pode não indicar deficiência clínica, mas é insuficiente para manter um metabolismo saudável, aumentando o risco de homocisteína elevada, que pode afetar a saúde cardiovascular.

Homocisteína – A homocisteína elevada, mesmo dentro da referência (5-15 µmol/L), pode ser um sinal de inflamação vascular. Se um indivíduo tem 13 µmol/L, já existe um maior risco cardiovascular e de envelhecimento acelerado. O ideal seria manter abaixo de 8 µmol/L, garantindo boas reservas de B12, ácido fólico e vitamina B6.

Insulinémia em Jejum – No metabolismo glicémico, se a insulinémia em jejum for 10 µU/mL (referência: 2-25 µU/mL), já sugere uma resistência inicial à insulina, aumentando a tendência para ganho de peso e doenças metabólicas. O ideal seria abaixo de 7 µU/mL, o que pode ser conseguido através de treino de força e redução do consumo de hidratos de carbono refinados.

Hemoglobina Glicada (HbA1c) – Se a HbA1c estiver em 5.5% (referência: <5.7%), pode indicar uma dificuldade crescente no metabolismo da glicose. Estudos sugerem que valores acima de 5.2% já estão associados a maior risco cardiovascular e resistência à insulina, sendo ideal mantê-la abaixo desse valor através de uma dieta equilibrada e exercício físico.

Cortisol em Jejum – Se um indivíduo tem cortisol em jejum de 23 µg/dL (referência: 5-25 µg/dL), pode já estar em estado de stress crónico, comprometendo a recuperação muscular, o sono e a sensibilidade à insulina. O ideal seria manter entre 10-18 µg/dL, através de estratégias de gestão do stress, como caminhadas ao ar livre, sono adequado e técnicas de relaxamento.

8. Um exemplo específico: Cinética do ferro em mulheres

O metabolismo do ferro em mulheres tem particularidades que tornam os valores de referência laboratoriais insuficientes para garantir uma saúde ótima. Durante a menstruação, há perdas regulares de ferro que podem levar a níveis subótimos, mesmo quando dentro da faixa de referência. Além disso, a absorção do ferro varia conforme a dieta, inflamação e outros fatores metabólicos.

1) Ferritina

  • Valor de referência: 15-150 ng/mL
  • Valor ótimo: 50-100 ng/mL

Se uma mulher apresenta 20 ng/mL de ferritina, o seu exame será considerado normal, mas este valor já pode indicar baixas reservas de ferro, comprometendo energia, cognição e desempenho físico. Estudos mostram que valores abaixo de 30 ng/mL estão associados a fadiga, queda de cabelo e menor recuperação muscular, mesmo na ausência de anemia clínica.

2) Ferro sérico e Capacidade Total de Ligação do Ferro (TIBC)

  • Valor de referência: Ferro sérico: 50-170 µg/dL / TIBC: 250-450 µg/dL
  • Valor ótimo: Ferro sérico: 90-130 µg/dL / TIBC: 250-350 µg/dL

Um ferro sérico de 55 µg/dL pode ser considerado normal, mas já indica uma disponibilidade reduzida de ferro para as células, especialmente em mulheres que treinam regularmente. Além disso, um TIBC elevado pode indicar uma deficiência funcional de ferro, mesmo que a ferritina esteja dentro da referência.

3) Saturação da Transferrina

  • Valor de referência: 15-50%
  • Valor ótimo: 30-40%

Se uma mulher apresenta 16% de saturação da transferrina, pode não ter um diagnóstico de anemia, mas este valor já sugere um transporte inadequado de ferro para os tecidos, o que pode comprometer a produção de energia e a função imunológica.

Ou seja, mesmo que uma mulher não tenha anemia diagnosticada, níveis subótimos de ferro podem impactar a vitalidade, o desempenho físico e a capacidade cognitiva. Avaliar a ferritina em conjunto com outros marcadores permite uma intervenção precoce, seja através da alimentação ou suplementação ajustada à necessidade individual.

9. Outro exemplo específico: Testosterona no Homem

Mesmo um homem com um estilo de vida saudável e boa composição corporal pode ter valores hormonais e metabólicos subótimos, impactando energia, força física, metabolismo e longevidade. Vamos analisar cinco dos marcadores mais comuns que podem influenciar a saúde masculina.

1) Testosterona total

  • Valor de referência: 300-1000 ng/dL
  • Valor ótimo: >600 ng/dL

Se um homem de 40 anos tem 350 ng/dL de testosterona total, estará dentro da referência, mas pode já apresentar sinais de deficiência funcional, como menor disposição, perda de massa muscular e aumento da gordura visceral. Estudos mostram que homens com níveis abaixo de 500 ng/dL tendem a ter um metabolismo mais lento e maior risco de síndrome metabólica.

Estratégias como treino de força, sono adequado, exposição à luz solar e consumo adequado de gorduras saudáveis e zinco podem ajudar a otimizar a produção natural de testosterona.

2) Testosterona livre

  1. Valor de referência: 5-21 ng/dL
  2. Valor ótimo: >12 ng/dL

Mesmo que um homem tenha uma testosterona total de 600 ng/dL, a testosterona livre pode estar baixa devido a um excesso de globulina de ligação às hormonas sexuais (SHBG), tornando a testosterona menos disponível para os tecidos.

Se um homem tem 8 ng/dL de testosterona livre, pode sentir fadiga e dificuldade em ganhar massa muscular, mesmo que a testosterona total esteja dentro da referência.

Estratégias para aumentar a testosterona livre incluem otimizar a ingestão de magnésio e boro, reduzir o stress e evitar défices calóricos excessivos.

10. Conclusão - Necessidade de evoluir na interpretação dos exames laboratoriais

Durante décadas, a medicina convencional tem utilizado os valores de referência das análises clínicas como critério absoluto para determinar se um indivíduo está saudável ou doente. No entanto, esta abordagem está desatualizada e ignora um princípio fundamental da saúde: estar dentro da norma estatística não significa estar no melhor estado possível.

A comunidade médica insiste em olhar para os exames laboratoriais como ferramentas binárias – ou há uma doença ou não há – negligenciando a possibilidade de défices subclínicos, desequilíbrios hormonais e riscos metabólicos que já estão a comprometer a qualidade de vida. O resultado? Pessoas com sintomas evidentes de fadiga, dificuldades de concentração, baixa performance física e problemas metabólicos são frequentemente informadas de que estão “dentro da normalidade”, sem qualquer intervenção ou estratégia preventiva.

A realidade é que os valores de referência são médias populacionais baseadas em dados de uma sociedade que, em grande parte, já não está metabolicamente saudável. Aceitar como “normal” um padrão baseado numa população onde a resistência à insulina, o défice de micronutrientes e a inflamação crónica são comuns é um erro grave da prática médica moderna.

Se a medicina quiser realmente evoluir, é fundamental que passe a olhar para valores ótimos e não apenas referenciais, adotando uma abordagem personalizada que tenha em conta genética, estilo de vida, objetivos de saúde e sinais precoces de desequilíbrios. A ausência de diagnóstico não deve ser sinónimo de inação, e a verdadeira medicina preventiva deveria focar-se na otimização da saúde, e não apenas no tratamento da doença quando esta já se manifestou.

A mudança começa com cada indivíduo a questionar os seus próprios exames e a exigir dos profissionais de saúde uma interpretação mais criteriosa e alinhada com um conceito mais avançado de longevidade e bem-estar. Afinal, a medicina do futuro não pode continuar refém dos erros estatísticos do passado.

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