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Introdução
Muitos de nós preocupamo-nos com pequenos detalhes da nossa alimentação, como calorias ou a presença de determinados ingredientes, mas ignoramos outros perigos mais abrangentes com os quais lidamos diariamente e que podem ter um impacto significativo na saúde.
As acrilamidas são compostos químicos que se formam em alimentos ricos em hidratos de carbono submetidos a altas temperaturas, como fritura, assadura ou grelha. Apesar de darem aos alimentos aquele aroma e textura irresistíveis, escondem um potencial risco para a saúde que tem sido alvo de investigação desde a sua identificação em alimentos, em 2002.
Porque é que isto importa? Numa dieta moderna, marcada pelo consumo de alimentos ultraprocessados, este fenómeno é um desafio crescente para a segurança alimentar.
Vamos explorar o que são as acrilamidas, os seus impactos na saúde e como reduzir a sua presença no nosso prato.
1. Mecanismo de Formação
As acrilamidas resultam da reação de Maillard, uma reação química entre a asparagina, um aminoácido presente em vários alimentos, e os açúcares redutores quando expostos a temperaturas superiores a 120ºC. Esta reação é também responsável por conferir sabor, aroma e coloração característicos aos alimentos, sendo um dos principais fatores que contribuem para a sua palatabilidade. Contudo, a mesma reação que enriquece as qualidades organolépticas dos alimentos também é responsável pela formação destes compostos potencialmente tóxicos.
Entre os alimentos frequentemente associados a níveis elevados de acrilamidas destacam-se:
- Batatas fritas e snacks
- Alimentos fritos
- Café torrado e café instantâneo
- Pizza aquecida em forno de alta temperatura
- Amêndoas tostadas e outros frutos secos torrados
Cereais, bolachas e bolos principalmente folhados
Adicionalmente, alimentos preparados em ambientes industriais podem conter concentrações mais elevadas, devido às temperaturas consistentes e prolongadas aplicadas no processamento. Por outro lado, variações genéticas nas plantas, condições de cultivo e armazenamento também influenciam os precursores da reação de Maillard, o que torna a redução deste composto uma tarefa multifacetada que exige colaboração entre diferentes setores.
2. Impactos na Saúde
Estudos realizados em modelos animais e observações epidemiológicas sugerem vários efeitos adversos associados à exposição crónica a acrilamidas. Estes impactos estendem-se por diferentes áreas da saúde humana:
Carcinogenicidade
O Centro Internacional de Pesquisa sobre o Cancro (IARC) classifica as acrilamidas como “provavelmente carcinogénicas para humanos” (Grupo 2A). Dados experimentais demonstram que doses elevadas em animais promovem a formação de tumores em vários órgãos. Embora os níveis de exposição em humanos sejam significativamente menores, a preocupação reside na exposição cumulativa, dado que os alimentos que contêm acrilamidas são consumidos frequentemente e em grandes quantidades.
Neurotoxicidade
A exposição prolongada a acrilamidas tem sido associada a efeitos neurotóxicos, incluindo alterações na coordenação motora, fragilidade muscular e outros sinais de disfunção neurológica em estudos laboratoriais. Embora os estudos em humanos ainda sejam limitados, há indícios que suportam a existência de riscos semelhantes.
Genotoxicidade
No metabolismo humano, as acrilamidas são convertidas em glicidamida, um composto reativo que pode induzir danos no DNA, aumentar o risco de mutações celulares e, por extensão, favorecer processos oncogénicos. Esta genotoxicidade está diretamente relacionada com a dose e frequência da exposição.
Efeitos Endócrinos
Alguns estudos preliminares sugerem que as acrilamidas podem interferir no sistema endócrino, impactando a regulação hormonal e potencialmente contribuindo para desfechos adversos como infertilidade e desequilíbrios metabólicos.
3. Estratégias para Minimizar a Exposição
A redução da formação de acrilamidas nos alimentos é possível através de várias medidas preventivas, tanto no contexto doméstico quanto na produção industrial:
Técnicas de Cozimento
Prefira cozinhar a vapor, cozer ou estufar em vez de fritar ou grelhar. Estas técnicas expõem os alimentos a temperaturas mais baixas, diminuindo a formação de acrilamidas.
Gestão do Tempo e Temperatura
Evite temperaturas muito altas e reduza o tempo de exposição ao calor. Alimentos devem ser retirados assim que atinjam uma coloração dourada clara, evitando o escurecimento excessivo ou queimaduras.
Escolha de Ingredientes
Optar por variedades de batata com baixos níveis de açúcares naturais pode diminuir significativamente a formação de acrilamidas durante o cozimento.
Técnicas Pré-Culinárias
Deixar as batatas de molho em água antes de fritar pode reduzir significativamente os níveis de precursores da reação de Maillard, minimizando a formação de acrilamidas. Alternativamente, a utilização de agentes neutralizadores, como cálcio ou ácido cítrico, tem demonstrado potencial para reduzir os riscos em contexto industrial.
Educação e Sensibilização
Divulgar informações sobre os riscos das acrilamidas entre consumidores e profissionais da área alimentar é essencial para promover práticas mais seguras tanto em casa quanto em larga escala.
4. O que Está a Ser Feito?
Em 2017, a Comissão Europeia adotou o Regulamento (UE) 2017/2158, que estabelece medidas de mitigação e níveis de referência para reduzir a presença de acrilamida em géneros alimentícios. Este regulamento obriga os operadores do setor alimentar a aplicarem práticas específicas durante a produção e processamento de alimentos para minimizar a formação de acrilamida. As medidas incluem a seleção adequada de matérias-primas, ajustes nos processos de cozimento e monitorização regular dos níveis de acrilamida nos produtos finais.
Para auxiliar na implementação eficaz deste regulamento, a União Europeia disponibilizou um guia orientador que detalha as melhores práticas e procedimentos a serem adotados pelos operadores do setor alimentar. Este guia aborda aspetos como categorização dos operadores, aplicação de medidas de mitigação, amostragem, análise e manutenção de registos.
Ações a Nível Nacional (Portugal)
Em Portugal, a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) tem desempenhado um papel crucial na divulgação e implementação das diretrizes europeias relativas à acrilamida. A DGAV publicou recomendações específicas para os operadores do setor alimentar, enfatizando a importância da aplicação das medidas de mitigação estabelecidas no Regulamento (UE) 2017/2158. Estas recomendações incluem orientações sobre a seleção de matérias-primas, técnicas de processamento e práticas de controlo de qualidade para reduzir os níveis de acrilamida nos alimentos.
Além disso, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) realiza inspeções regulares e monitoriza os teores de acrilamida nos alimentos disponíveis no mercado português, assegurando o cumprimento das normas estabelecidas e a proteção dos consumidores.
Estas iniciativas, tanto a nível europeu como nacional, refletem um compromisso contínuo com a segurança alimentar e a saúde pública, procurando reduzir a exposição dos consumidores à acrilamida através de regulamentações rigorosas e práticas industriais aprimoradas.
Conclusão
A presença de acrilamidas nos alimentos representa um desafio significativo para a saúde pública, devido aos seus potenciais efeitos carcinogénicos, neurotóxicos e genotóxicos.
O consumo cumulativo destes compostos através de alimentos ultraprocessados e preparados a altas temperaturas é motivo de preocupação.
A mitigação dos riscos associados às acrilamidas requer esforços coordenados entre consumidores, indústria alimentar e autoridades reguladoras. A adoção de práticas culinárias mais seguras, a escolha criteriosa de ingredientes e a aplicação de regulamentações rigorosas são passos cruciais para reduzir a exposição da população a este composto prejudicial.
Promover a educação sobre este tema é fundamental para capacitar os consumidores a fazer escolhas alimentares mais saudáveis e conscientes.