Dieta Cetogénica – O que é, benefícios, aplicações

A Dieta Cetogénica é uma estratégia alimentar que reduz substancialmente a ingestão de hidratos de carbono, aumentado o consumo de gordura e mantendo um consumo moderado de proteína.

Apesar de ter sido desenvolvida para o tratamento da epilepsia há mais de 100 anos, é hoje muito utilizada para a perda de peso, diabetes, alguns tipo de cancros, e outros benefícios.

Contudo, não é uma dieta isenta de riscos. Como há uma restrição significativa de um macronutriente (hidratos de carbono), e cujos alimentos podem ser fonte de vários nutrientes essenciais, é necessário que haja uma orientação correta e monitorização de vários marcadores de saúde, desde a composição corporal e análises clínicas.

Irei descrever em que consiste esta dieta, história, aplicações, benefícios e possíveis riscos. O artigo será dividido em duas partes (I e II), em que a segunda parte incidirá com mais detalhe cada um dos potenciais benefícios.

Conteúdo deste artigo

1 - O que é a Dieta Cetogénica

A Dieta Cetogénica (DC) é uma dieta que reduz a ingestão de hidratos de carbono a um valor que permite ao corpo, através do fígado, produzir corpos cetónicos (CC). Esse valor varia de acordo com cada pessoa, mas podemos assumir um valor de cerca de 50g de hidratos de carbono diários, numa fase inicial.

Á medida que o organismo vai ganhando flexibilidade metabólica, podem ser tolerados valores mais elevados, mantendo a produção CC.

Ao limitar os hidratos de carbono abaixo desse limite, o corpo reduz o consumo de glicose e começa a tornar-se mais eficaz em oxidar ácidos gordos. Ou seja, começa a utilizar as reservas de gordura como principal fonte de energia. A isto se chama estado de Cetose ou Cetose Nutricional.

É, portanto, uma dieta Low Carb extrema, também conhecida como LCHF (Low Carb High Fat) e associada à Dieta Atkins.

Como veremos à frente, esta adaptação metabólica, induzida de forma correta, pode trazer muitos benefícios para a saúde, principalmente para a perda de peso (gordura), controle das glicemias (diabetes), epilepsia, alguns tipos de cancro e outras.

2 - A Origem e evolução da Dieta Cetogénica

A DC é uma variação ou evolução do jejum prolongado, praticado desde a antiguidade, para fins terapêuticos, culturais e religiosos.

A primeira descrição é feita em 1911 por Gulepa e Marie em França, depois de terem tratado 21 pacientes com epilepsia.

Uns anos mais tarde, nos Estados Unidos, H. Rawle Geelin, endocrinologista do New York Presbyterian Hospital publica uma série de quase 30 doentes submetidos a 20 dias de jejum, baseando-se nas observações do osteopata Dr. Conklin.

O êxito do tratamento levou a que o mesmo fosse implantado no Johns Hopkins Hospital e que se realizasse uma série de investigações básicas para conhecer a origem do efeito terapêutico atribuído à acidose, à desidratação e à cetose.

Na década de 1920, o Dr. Cobb e o Dr. Lennox, da Harvard Medical School, também se dedicaram ao estudo do jejum para controlar a epilepsia.

O Dr. Wilder na Mayo Clinic foi o primeiro a propor a cetose como alternativa ao jejum, modificando a dieta e passando-se a aceitar esta prática de forma generalizada. É por isso conhecido como o criador da DC.

Com o desenvolvimento posterior dos fármacos antiepiléticos a dieta foi praticamente esquecida e só recentemente renasceu o interesse por ela devido à ineficácia de controlar as crises epiléticas numa criança (Charlie) com epilepsia refratária e pela difusão deste tipo de tratamento através da Fundação Charlie.

Em 1997 foi feito um filme intitulado de “First do No Harm”, protagonizado por Merryl Streep, filme este que chamou a atenção de muita gente, retratando o drama de Charlie e a utilização da DC para o tratamento da epilepsia.

Na Europa foi criada em 2004 a Matthews ́s Friends Foundation. O impulso dado por estas associações sublinha a importância das mesmas como motor para o tratamento de determinadas doenças.

A DC foi popularizada para a perda de peso através do Dr. Atkins, que desenvolveu a Dieta Atkins. O seu livro “A Nova Dieta Revolucionária do Dr. Atkins” ainda hoje é vendido em todo e mundo.

Nos últimos anos o interesse sobre a DC tem crescido e têm-se mantido popular sobretudo pela sua eficácia na perda de peso, devido a rapidez em que isto pode ocorrer.

Contudo, tenho que deixar bem claro, que perder peso rapidamente pode não ser aconselhável, sobretudo porque há uma perda acentuada de líquidos e de massa muscular. Isto não é sinónimo de saúde e pode não ser sustentável no longo prazo.

3 - É uma dieta segura e para qualquer pessoa ?

Assumindo à partida que é uma dieta que elimina ou restringe substancialmente um dos três macronutrientes, os hidratos de carbono, há o risco de não ser segura se não for bem orientada e ajustada às necessidades especificas de cada indivíduo. 

Este risco é acrescido quando as pessoas aderem este a este tipo de dieta seguindo orientações generalistas, de publicações que se leram nas redes sociais e videos que viram no youtube. É uma dieta que pode ter efeitos secundários e que no longo prazo pode trazer carências nutricionais, alterações hormonais.

Sendo uma dieta restritiva, facilmente se entra em extremismo. Há pessoas que ficam obcecadas em produzir corpos cetónicos, criando uma fobia nada saudável (e desnecessária) a tudo o que contenha hidratos de carbono. As suas vidas giram em torno de contagem de calorias, racios de macronutrientes e medição de corpos cetónicos no sangue ou urina através de dispositivos. 

Por definição a DC é contra-indicada para os seguintes grupos:

  • Idosos, crianças e adolescentes, grávidas e mulheres a amamentar
  • Diabéticos Tipo I e com propensão para cetoacidose e hipoglicémicas 
  • Pessoas muito magras, com dificuldade em manter o peso e massa muscular
  • Pessoas com historial de doenças no fígado, rins ou alterações cardiovasculares

4 - Possíveis efeitos secundários e carências nutricionais

Os efeitos secundários variam de pessoa para pessoa e são geralmente passageiros, depois do corpo se adaptar. Além disso, muitos destes efeitos são provocados por uma inicial e acentuada perda de líquidos e sódio, o que pode ser evitado.

Os efeitos secundários mais comuns são:

  • Dores de cabeça e tonturas
  • Falta de energia e quebra no rendimento em desportos de intensidade
  • Alterações no sono
  • Mau hálito (devido à produção de cetonas)
  • Alterações de humor
  • Hipoglicemias
  • Intestino mais preguiçoso

A nível das carências nutricionais, estas podem ocorrer quando a dieta não é bem planeada, o que infelizmente acontece muitas vezes. Deixa-se de consumir alimentos ricos em nutrientes importantes, só porque contém hidratos de carbono. 

Estas carências são completamente evitáveis, incluindo estratégicamente alguns alimentos e seguindo algumas recomendações:

Carências nutricionais mais comuns:

  • Minerais: Sódio, Potássio, Magnésio, Iodo, Selénio
  • Vitaminas: Folatos (B9), Vitamina C, D e E
  • Outros: Omega-3, Fibras, pre e probioticos

5 - Tipos de Dieta Cetogénica

Existem variações da DC com base nas especificidades de cada caso e todas elas devem ser feitas com supervisão.

  • Dieta cetogénica padrão (SKD): Esta é uma dieta muito baixa em hidratos de carbono, proteína moderada e alto teor de gordura. Normalmente contém 70% de gordura, 20% de proteína e apenas 10% de hidratos de carbono. É a mais pesquisada e documentada, utilizada pela maioria das pessoas em diversas questões de saúde.
  • Dieta cetogénica direcionada (TKD):  Permite adicionar hidratos de carbono antes e/ou depois dos treinos, sendo por isso mais popular na área do fitness. A ideia é que o corpo utilize a energia dos hidratos de carbono durante os treinos, sem interromper a cetose.
  • Dieta cetogénica cíclica (DRC): Esta versão envolve períodos de realimentação com mais hidratos de carbono, como 5 dias de SKD seguidos por 2 dias com alto teor de hidratos de carbono (Carb Loading). Esta é mais utilizada por atletas e fisioculturistas.
  • Dieta cetogénica rica em proteínas: É semelhante a uma dieta cetogénica padrão, mas inclui racios mais elevados de proteína. A proporção geralmente é de 50% de gordura, 45% de proteína e 5% de hidratos de carbono. Para algumas pessoas o excesso de proteína pode interromper a produção de corpos cetónicos, pelo que precisa de ser ajustada.
  • Dieta cetogénica restritiva para o cancro: Versão da DC com restrição ainda mais extrema de hidratos de carbono, geralmente abaixo de 20g por dia. Há ainda uma preocupação em manter uma restrição calórica pré-definida para cada caso.

6 - Como é utilizada a energia

O funcionamento do nosso corpo depende da produção de energia, cujas substratos têm origem nos três macronutrientes: hidratos de carbono, proteína e gordura. 

A fonte de energia principal é a glicose, produto da metabolização dos hidratos de carbono, a qual é transportada até às células para produção de energia. O corpo é capaz de armazenar 100 a 120g de glicogénio no fígado, 400g nos músculos, mantendo em circulação no sangue apenas 5g (cerca de um pacote de açúcar)

Depois temos a gordura que também é utilizada como fonte de energia, especialmente quando não há glicogénio disponível. Um metabolismo adaptado pode facilmente utilizar a gordura armazenada como principal fonte de energia. Aqui existem disponíveis cerca de 40.000Kcal, o que pode ser muito útil para desportos de longa duração como provas de resistência, ultra maratonas, ciclismo, entre outras.Reservas energia corpo

O corpo também é capaz de recorrer às proteínas e músculo como fonte de energia, mas é algo que queremos evitar para podermos manter a massa muscular intacta, um dos melhores marcadores de saúde.

Em caso de jejuns, dietas restritivas, défice proteico, o corpo vai utilizar o músculo e decompo-lo em aminoácidos individuais para obter energia. Ao contrário dos hidratos de carbono e da gordura, o seu corpo não armazena aminoácidos, e é por isso que a quebra muscular é a única maneira de libertar aminoácidos e usar como combustível.

Quando fazemos jejum ou uma dieta baixa em hidratos de carbono e alta em gordura, o corpo produz 3 tipos de corpos cetónicos: acetona, acetoacetato e ácido beta-hidroxibutírico, os quais podem servir de energia para a grande maioria das células do corpo.

7 - O funcionamento do cérebro não depende da glicose ?

O cérebro pode consumir até 100g de glicose por dia, sendo esta sem dúvidas a sua preferencial  fonte de energia. 

Alguns defensores da Dieta Cetogénica afirmam que o cérebro pode funcionar exclusivamente dos corpos cetónicos, mas na realidade, parece que há zonas dos cérebro que necessitam de glicose, apesar de ser em pequenas quantidades. 

Os CC podem fornecer até 70% das necessidades energéticas do cérebro, e com mais eficiência do que a glicose. Outras células do corpo dependem exclusivamente da glicose. 

O corpo tem ainda um mecanismo chamado de gliconeogénese (literalmente, “formação de novo açúcar”). Este processo é muitas vezes confundido com a cetogénese, mas são diferentes. Ambos ocorrem no fígado, mas um produz glicose e outro corpos cetónicos.

Então, Gliconeogénese é o processo metabólico pelo qual a glicose é formada a partir de fontes não-hidratos de carbono, como lactato, aminoácidos e glicerol. 

A gliconeogénese fornece glicose quando a ingestão alimentar é insuficiente para suprir os requisitos do cérebro e do sistema nervoso, eritrócitos, medula renal, testículos e tecidos embrionários, os quais usam a glicose como principal fonte de combustível.

 

8 - Benefícios da Dieta Cetogénica

Os benefícios da Dieta Cetogénica bem documentados vão muito além d epilepsia, perda de peso e alguns tipos de cancro.

Cada vez surgem mais estudos sobre a aplicação da DC noutros casos:

  • Doença de Alzheimer e Doença de Parkinson
  • Esclerose Lateral Amiotrófica
  • Envelhecimento
  • Modelos pós-isquemia
  • Citopatias mitocondriais
  • Traumas Neurológicos

Irei abordar os bnefícios da Dieta Cetogénica em mais detalhe num artigo à parte

This Post Has 3 Comments

  1. “Mal de Alzheimer” !?!?!?! Não será doença de Alzheimer?

    1. Medicina Integrada Funcional

      Obrigado pelo reparo e está corrigido.
      Apesar disso encontra-se várias referências à doença de Alzheimer como “Mal de Azheimer”

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